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ARTIGO: O TEMPO – NA VIDA HUMANA. Por: Iracelio Perez

O tempo não existe em si mesmo, não ocupa espaço, é imaterial, indivisível, sem dimensão, não admite passado nem futuro. As estações, são fruto da translação do planeta e da sua posição em relação ao sol. O calendário e horário foram estabelecidos pela experiência humana, ao longo dos séculos. Portanto, o tempo só existe na nossa memória, através de datas e acontecimentos que marcam nossos atos e atitudes.

O tempo entra na vida humana, no nascimento, com a entrada da pessoa na história, contendo o início e o fim, portanto, a sua finitude. Ele se torna a matéria prima da vida. Estará presente nos primeiros passos, na dura tarefa do aprendizado, na qualificação para o trabalho, na aposentadoria, tudo quanto constitui a história pessoal, tanto para o bem como para o mal. Ao vir ao mundo, o ser humano ocupa um lugar, um espaço, dentro de uma família, à qual passa a pertencer, mas sem passado e sem futuro. Ele é inserido numa época e numa realidade social que passam a interferir na sua condição no mundo.

O verbo do tempo é permanecer: A pessoa entra para a história através de seu corpo, inserido na cadeia das gerações. O que uma geração viveu, nenhuma outra jamais viverá. Os valores das gerações anteriores precisam ser aceitos, analisados, julgados, atualizados e assumidos em parte num lento processo de construção de uma identidade pessoal essencial. O que a pessoa recebe, ultrapassa de longe tudo o pode ser criado por si própria, e por isso ela permanece, na sucessão dos acontecimentos, com suas referencias e julgamentos no seu passado que a qualquer momento pode ser trazido para o presente atual.

A permanência da pessoa num norte eleito livremente, na sua consciência de ser e no seu modo de viver o tempo, determina o seu caráter, sua personalidade única, que será percebida nas suas relações sociais.

O fator base do tempo é a esperança: Sem esperança não haveria futuro, se o futuro existe dentro do presente é porque alguém acredita que pode fazer ou construir coisas que continuarão a existir depois que ele deixar de existir. Uma ponte foi construída para ligar o ontem e o amanhã, o passado e o futuro, uma passagem do transitório para o definitivo. Cada geração vive para preparar a seguinte, dentro do tempo humano. A esperança está substancialmente ligada à Fé. A fé na definição grega de “hipostasis” “substância” das coisas que se esperam; prova das coisas que não se veem”. Pois o futuro não pode ser visto, porque ainda não existe. Cristo repete muitas vezes: “Não tenham medo”. Não tenham medo do homem, apesar de seus defeitos. A fé atrai o futuro para dentro do presente, como antecipação das coisas que não podemos ver. Fé na inocência frágil de um filho, titubeante num mundo desconhecido, mas confiante na segurança da mão estendida, no abraço afetuoso no presente e no futuro, antevendo que os filhos vão aonde os pais podem chegar. Quando uma geração toma a vida em suas mãos, haverá uma passagem de “bastão”, soltando a segurança da mão “anterior”. Esse salto nem sempre é como de um pássaro que deixa o ninho.   Sim, a esperança pode ser manipulada de muitas formas, então é necessário estar atento ao “maior desejo”, porque nele se esconde também o “maior risco.

O objeto do tempo é a paciência:  A humanidade, de tempos em tempos, passa por mudanças que alteram a realidade social de uma época. Uma onda de transformações atravessa todas as civilizações, independentemente de lugar e do estágio em que elas, naquele momento, se encontram. Esses acontecimentos moldam as relações humanas daquele ponto em diante. Na atualidade, vivemos uma mudança de época desse gênero. Pós pandemia, as nossas certezas foram abaladas, a vida social “remota” ou “presencial” trouxe componentes que desconhecíamos, restrições que não esperávamos, modos de viver que não estavam no radar. A linguagem nas redes sociais foi encurtada, reduzida, conceitos e significados ficaram fragmentados, mal transmitidos. A inteligência artificial colocou as demandas em compasso de espera e haja paciência para o atendimento digital: Para falar com, “disque 1”, para falar com um dos nossos atendentes “aguarde um minuto”, um minuto com duração indeterminada, “você é muito importante”, aguarde. Sem contar com a hora marcada para consulta, uma referência sem lógica e sem respeito.

Sim, a tecnologia pode levar o ser humano para a Lua ou para Marte, mas será que a ciência poderá entregar soluções para os dias seguintes? Quanto tempo será necessária uma floresta crescer, uma chuva cair, uma fauna sobreviver, água ou um rio, plantar e colher alimentos, com ventos desconhecidos, porque todo isso deverá nascer do nada.

Com base na experiência em nosso planeta, podemos dizer que serão décadas, séculos, e isto se o “homo lunar” ou marciano não levar para lá os mesmos defeitos que carrega aqui na terra. As pessoas que desejam ir para outro planeta deveriam fazer uma experiência, num deserto terreno, cultivar um hectare de qualquer cereal: trigo, milho, arroz ou qualquer alimento, por um ano ou dois e, depois da experiência, conformar onde elas se estão. A mesma pergunta feita na Eden: “Adão onde estás”?

A finalidade do tempo é a memória: A esperança e a paciência são vividas na demora, naquilo que é transitório, temporário, mas trabalhamos a memória na duração, naquilo que é permanente, naquilo que é eterno. Os dois termos, demora e duração, criados por Henry Bergson, (1859-1941) para distinguir o tempo da demora, aquele tempo mutável que nos atinge diariamente, que gera ansiedade, “extress”, e interfere na nossa alimentação e no nosso sono. O tempo da duração, aquele tempo que permanece em nossa memória com toda a nossa história, aquilo que se constitui no que somos. A memória é o arquivo de todas as nossas lembranças, nossos significados, nossos julgamentos, nossa história.

Tudo o que muda necessita de um substrato que permaneça, caso contrário não seria mudança, mas substituição, e o tempo humano permanece na memória, com um passado que se atualiza diariamente. Na memória a pessoa se reconhece através de todos os seus anos, de toda a sua existência, com todo o seu ser e seu modo de viver. A nossa memória não está no corpo, não será enterrada com ele, mas na alma. O corpo é alimentado por produtos da terra, é matéria e como tal sente dores e se decompõe e retorna ao pó da terra. A matéria, o corpo material, não pode produzir algo imaterial, com o a memória, que está acima e muito além da matéria. A alma, por sua vez não pode sentir as dores do corpo, mas carrega sofrimentos, parte como resultado de escolhas, o grande dilema humano e, parte como consequência de relações sociais conflitantes que fogem à sua compreensão.

A consequência social do tempo é o legadoToda a pessoa ao tomar consciência de sua condição humana, de que vive com realidades finitas e pessoas finitas, ficando sujeito a restrições e necessidades físicas, espera ou se desespera. Ao perceber a sua própria situação, pois o corpo adoece e envelhece, deseja ir além das suas limitações, construindo coisas que vão permanecer, mesmo depois que ela não mais estiver na terra. O que a pessoa deixa para seus herdeiros ou para a sociedade é o que chamamos de legado. A lista é infinita: o número, o alfabeto, a roda, o motor, a música, o conhecimento, e um sem números de inventos. Tudo o que é feito dentro de pequeno mundo do “eu” se torna um bem no grande universo do “nós”. Todos somos devedores às gerações anteriores, bem como às gerações futuras, algumas cujos rostos estão ao nosso alcance, pois são portadoras de parte de nosso tempo, outras gerações que jamais conheceremos. Somos como grãos depositados na terra, para que possam nascer novas plantas. Os nossos tempos doados, serão guardados na memória de seus portadores, o resto o vento espalhará pelo espaço.

Por: Iracelio Perez. Contador e presidente da Ação Comunitária Chácara Santo Antonio, Santo Amaro, Cidade de São Paulo.