Volta do imposto sindical obrigatório, aprovada pelo STF, também é criticada por especialistas
Na foto: Sindicalistas fazem pressão em frente ao Supremo – Foto: Agência Brasil/Wilson Dias
Professor de Direito destaca que sempre houve bons argumentos contra e a favor da obrigatoriedade da cobrança: “Discussão tem viés jurídico e político”
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pela volta da obrigatoriedade da contribuição sindical descontada dos salários dos trabalhadores brasileiros. Dos 11 ministros do Supremo, sete já votaram a favor da volta do imposto, que é defendida por ministros do governo Lula (PT) sob o argumento de que a obrigatoriedade seria positiva para os sindicatos de trabalhadores. A decisão, contudo, ainda provoca polêmica entre políticos e especialistas em tributação.
A votação que garantiu maioria para a volta do contribuição sindical obrigatória aconteceu na última sexta-feira (1º), quando o STF retomou um julgamento de 2018 sobre o tema. Na época, a suprema corte havia decidido que a cobrança compulsória seria inconstitucional. No entanto, alguns ministros mudaram o voto e passaram a apoiar a obrigatoriedade.
O imposto sindical fora derrubado pelo Congresso Nacional, em 2017, com a reforma trabalhista do governo Temer (MDB), que deixou a decisão do pagamento da taxa a critério do trabalhador, podendo ser descontada seu salário, apenas com a sua aprovação.
Para o professor de Contabilidade Financeira e Tributária da Universidade Mackenzie, Murillo Torelli, “embora o nome possa soar benevolente, a verdadeira consequência é que se trata de mais dinheiro retirado do trabalhador em benefício dos sindicatos”. Segundo ele, pela atual decisão do STF, se o trabalhador não se manifestar formalmente contra a cobrança, o desconto será automático em sua folha de pagamento — como era antes.
Já o professor de Direito Tributário do Ibmec Brasília, Thiago Sorrentino, analisa que a discussão sobre imposto dos sindicatos tem dois lados importantes, sendo o primeiro de natureza política e outro, de natureza jurídica: “Em relação [pelo viés] de natureza jurídica, o exame do STF, que de um certo modo altera a sua visão anterior, é coerente de acordo com as premissas adotadas, mas sempre dentro de um grau de indeterminação natural, próprio dos textos legais, sem desmerecer, sem colocar em xeque a posição anterior, porque sempre houve bons argumentos para defesa em ambos os casos”, argumentou o professor.
Por outro lado, “do ponto de vista político”, Torrentino observa que “a discussão é a respeito se a decisão não deveria ter sido dada ao Poder Legislativo” — ou seja, ao Congresso Nacional. “Discute-se se o Supremo não deveria ter dado uma deferência maior para a opção política, escolhida e eleita pelos representantes do povo que possuem representação democrática e legitimidade a esse ponto”, analisou.
“Do ponto de vista das relações trabalhistas, de acordo com a decisão do Supremo, pelo menos o que se alinha que vai ser determinado, vai depender muito do modo de atuação de cada entidade sindical, de cada organismo sindical, em relação a não só os seus associados mas à integralidade daqueles trabalhadores que, em tese, poderiam ser beneficiados pelas atividades do órgão”, completou Torrentino.
Histórico do imposto sindical
Criado no século passado pela ditadura Vargas com o eufemístico nome de “contribuição sindical”, o imposto foi mantido pela Constituição de 1988 e era compulsoriamente descontado na folha de pagamentos dos trabalhadores até 2017, quando a obrigatoriedade deixou de existir. No ano seguinte, o próprio STF decidiu pela inconstitucionalidade de contribuições obrigatórias a empregados, reconhecendo a validade constitucional da reforma trabalhista do governo Temer.
O recuo do governo
O governo deixou a decisão por conta do Judiciário, depois da repercussão negativa que a ideia provocou no Congresso Nacional, onde até lideranças governistas criticaram os ministros do trabalho, Luiz Marinho, e da Previdência, Carlos Lupi, antes mesmo de a proposta ser formalmente apresentada ao Poder Legislativo.
Quando adiantou o assunto através da imprensa, Lupi disse que a meta seria fixar a nova taxa em até 1% do rendimento anual do trabalhador, descontando a contribuição de forma compulsória da folha de pagamento. A quantia a ser paga seria definida em assembleias, com objetivo de democratizar as decisões e também para ficar clara que a intenção seria buscar uma forma de fortalecer financeiramente os sindicatos com o apoio da classe trabalhadora”.
“Volta do imposto sindical obrigatório representaria um retrocesso”, avaliam tributaristas
O Brasil 61 saiu em campo para saber a opinião de professores e especialistas em Direito Tributário sobre a proposta anunciada esta semana pelo Ministério do Trabalho, que pretende fortalecer os sindicatos principalmente com a possibilidade de ressuscitar o imposto sindical obrigatório. A obrigatoriedade de o trabalhador ter a taxa sindical descontada em seu salário deixou de existir em 2017, através da reforma trabalhista implementada pelo então presidente Michel Temer (MDB). Daquele ano em diante, a contribuição sindical passou a ser optativa aos trabalhadores brasileiros.
No entanto, antes mesmo de a proposta ser apresentada pelo atual governo, o projeto já despertou a oposição no Congresso Nacional e também várias críticas de especialistas em Direito Tributário, como o professor de Direito Tributário do Ibmec Brasília, Rodolfo Tamanaha; o diretor da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB/GO), Guilherme Di Ferreira; e a mestre em Direito e especialista em Processo do Trabalho, Juliana Mendonça.
Os três tributaristas, ouvidos pela reportagem, foram unânimes em afirmar que a iniciativa representa um retrocesso.
O professor Tamanaha vai além, e destaca que a discussão neste momento “seria no mínimo inapropriada”, devido ao esforço que o próprio governo vem fazendo para articular e aprovar, na Câmara e no Senado Federal, a reforma tributária.
“Discussão inapropriada”
Para o Rodolfo Tamanaha, a reforma tributária é uma “míni-revolução” do próprio sistema tributário nacional. “Eu entendo que não está no momento adequado de se voltar com esse tema, porque se a reforma tributária avançar, a gente vai ter que conviver com o sistema tributário antigo e um novo, numa transição de alguns anos, e você estabelecer um novo imposto eu acho que desarticula”, declarou o professor do Ibmec.
“Eu acho inapropriado a discussão nesse momento, dessa contribuição ou desse imposto, no contexto em que o governo está com todas as fichas depositadas na reforma tributária do consumo e na sequência a reforma tributária da renda”, afirmou. “A reforma tributária também vai avisar a desoneração da folha e a contribuição sindical acaba pesando, porque ela está vinculada à remuneração do trabalhador”, concluiu.
“Retrocesso”
De acordo com Guilherme Di Ferreira, do escritório Lara Martins Advogados, o fim da obrigatoriedade do imposto sindical foi um dos grandes avanços que da reforma trabalhista de 2017. Segundo ele, a medida refletiu positivamente para os empregados: “A contribuição sindical é um valor que era descontado, ainda é descontado do salário de funcionário, mas hoje é de forma optativa”, lembrou.
“Essa contribuição sindical obrigatória é vista como um retrocesso, porque o funcionário novamente vai ser obrigado a ter mais descontos dentro do seu salário”, observou. “Não sabemos se [a proposta] será debatida no Judiciário, para que não entre em vigor ou caso entre, que seja questionado para que os funcionários não tenham mais descontos nos seus salários, além dos obrigatórios, que nós já temos hoje em dia na nossa grande e complexa carga tributária”, completou o diretor da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO.
“Direito de escolha”
Conforme a especialista em Direito e Processo do Trabalho Juliana Mendonça, o fato de o país vir a ter uma nova contribuição sindical obrigatória aos trabalhadores representa um retrocesso porque “tira o direito de escolha” dos empregados optarem por aprovar ou não a representação que estiverem tendo através dos sindicatos.
“Eu entendo que seja um retrocesso, tendo em vista que nós já tínhamos esse modelo até 2017 e vários sindicatos não se empenhavam em fazer um trabalho bem feito”, afirmou Mendonça, acrescentando que, depois, “começou-se a de fato pagar, os empregados que entendiam que estava sendo representado e bem representado pelo seu sindicato”.
“Então, o fato de obrigar a todo e qualquer trabalhador a ter esse recolhimento gera uma certa tristeza, porque é muito difícil você ser compelido a fazer algo que você não se sente bem representado”, lamentou a sócia do escritório Lara Martins Advogados.
A proposta do governo
De acordo com o Ministério do Trabalho, a meta do governo é fixar a nova taxa em até 1% do rendimento anual do trabalhador, descontando a contribuição de forma compulsória da folha de pagamento. A quantia a ser paga seria definida em assembleias, com objetivo de democratizar as decisões e também para ficar clara que a intenção é buscar uma forma de fortalecer financeiramente os sindicatos “com o apoio da classe trabalhadora”.
Apesar de o projeto ser polêmico, o ministro tem declarado à Imprensa que pretende apresentá-lo até o fim do mês, vinculando a taxa da nova obrigatoriedade ao acordo de reajuste salarial. Fonte: Brasil 61